top of page
Foto do escritorJorge Guerra Pires

Por que mesmo pessoas que defendem os direitos do negros são lentas para associar sucesso a pessoas negras?


O Sistema 1 e o Sistema 2: Como Nossos Vieses Implícitos Influenciam Mesmo Quem Defende os Direitos dos Negros

Quando falamos sobre preconceito, muitas vezes imaginamos que ele é uma questão de escolhas conscientes, ou de valores que deliberadamente se alinham com crenças erradas. No entanto, os estudos psicológicos demonstram que nossos cérebros fazem associações automáticas que nem sempre estão sob nosso controle. Isso é especialmente relevante quando analisamos como até mesmo pessoas que defendem os direitos dos negros podem ser influenciadas por preconceitos implícitos, refletindo a complexidade dos processos mentais envolvidos.

O psicólogo Daniel Kahneman, em seu livro "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", descreve como nossa mente opera através de dois sistemas: o Sistema 1 e o Sistema 2. O Sistema 1 é rápido, automático, e funciona sem esforço consciente. Ele é responsável por nossas decisões instintivas, por aquilo que sentimos imediatamente, antes mesmo de pensar. Já o Sistema 2 é mais lento, exige esforço cognitivo e envolve reflexão mais profunda e análise crítica.

O Sistema 1: O Piloto Automático

O Sistema 1 opera sem que percebamos, tomando decisões com base em estereótipos, experiências passadas e padrões culturais que são internalizados desde a infância. Ele não faz uma avaliação lógica, mas sim responde de forma automática ao que já foi aprendido ou assimilado ao longo da vida. Isso é o que está em jogo quando fazemos julgamentos rápidos sobre pessoas, situações ou até mesmo sobre o que consideramos "adequado" em uma sociedade.

Por exemplo, em muitos países, incluindo o Brasil, existe um histórico de representações sociais que associam o sucesso, a competência e o poder a figuras brancas, enquanto figuras negras frequentemente são associadas a estereótipos negativos, como criminalidade ou incapacidade. Essas associações são profundamente enraizadas em nossa cultura e se manifestam no Sistema 1.

O Sistema 2: O Consciente Crítico

Agora, o que acontece quando essa resposta automática do Sistema 1 entra em conflito com o que acreditamos conscientemente? O Sistema 2 entra em cena. Esse sistema é mais deliberativo e reflete a nossa capacidade de fazer escolhas racionais, de pensar criticamente e de tomar decisões que vão contra o que o Sistema 1 nos sugeriria automaticamente. Quando uma pessoa que defende os direitos dos negros vê um rosto negro associado a uma palavra negativa, ela pode sentir um desconforto imediato e querer corrigir esse pensamento. O Sistema 2 tentaria, então, racionalizar a situação e corrigir essa resposta instintiva.

O Desafio dos Defensores dos Direitos dos Negros

Aqui está o ponto crucial: o Sistema 2, por mais racional e controlado que seja, nem sempre é ativado com a mesma rapidez ou eficiência que o Sistema 1. Mesmo em pessoas que se posicionam ativamente contra o racismo, o Sistema 1 pode ainda gerar reações automáticas baseadas em estereótipos culturais internalizados. Isso significa que, mesmo aqueles que lutam pela igualdade racial podem demonstrar demora na associação de palavras positivas com pessoas negras, algo que pode ser explicado pela atuação do Sistema 2, que leva mais tempo para corrigir os reflexos automáticos do Sistema 1.

Esse é um dos principais achados dos estudos de preconceito implícito. Mesmo pessoas que possuem um forte compromisso com a justiça social podem se encontrar "conflitando" com seus próprios vieses internos. A diferença é que, enquanto a maioria das pessoas pode não ter o esforço de ativar o Sistema 2 para corrigir essas respostas automáticas, os defensores dos direitos dos negros, ao estarem cientes de suas crenças antirracistas, tentam conscientemente questionar e reverter o que o Sistema 1 sugeriu.

O Que Isso Nos Ensina?

Este fenômeno não apenas revela a profundidade do racismo implícito que todos carregamos, mas também aponta para a complexidade de mudar os padrões sociais enraizados. Nossos preconceitos não são simplesmente questões de escolhas morais conscientes; eles estão profundamente ligados ao funcionamento automático do cérebro. E, como o Sistema 1 é tão rápido e intuitivo, é extremamente difícil reprogramá-lo sem esforço constante.

A boa notícia é que o Sistema 2 pode ser treinado. Ao nos expormos mais a diversas representações e histórias de sucesso relacionadas a diferentes grupos raciais, podemos começar a formar novas associações automáticas. No entanto, essa mudança não acontece da noite para o dia e exige reflexão contínua e práticas que desafiem os estereótipos prevalentes.

Conclusão

O fato de pessoas que defendem os direitos dos negros ainda demonstrarem sinais de viés implícito não é uma indicação de falha moral, mas uma evidência de como os processos automáticos de nosso cérebro operam de maneira complexa e, muitas vezes, fora do nosso controle. A consciência desse fenômeno, por si só, já é um passo importante para começar a quebrar essas associações automáticas.

Portanto, da próxima vez que nos depararmos com esses desafios em nossas próprias mentes, devemos lembrar que, enquanto o Sistema 1 é rápido e muitas vezes enviesado, o Sistema 2 oferece a chance de mudança, embora exija esforço e prática contínuos para transformar nossos reflexos automáticos em respostas mais justas e conscientes.



 












8 visualizações

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating

Join the Club

Join our email list and get access to specials deals exclusive to our subscribers.

Thanks for submitting!

bottom of page