Enquanto esperava no consultório odontológico, comecei a conversar com uma pessoa que conhecia de alguns encontros que fazemos localmente. Então, veio a bomba: eleitora do Bolsonaro. Como sempre, fico surpreso porque a imagem do Bolsonaro e sua imagem pública não batem com a imagem da pessoa socialmente; existe como sempre bastante ambiguidade no bolsonarismo, isso aparece também nas pessoas que geralmente votam nele, somente sabemos quem vota no Bolsonaro ao falarem, não tem como saber da história da pessoa, parece um daqueles segredos como escolha sexual que misteriosamente aparece, e tudo agora faz sentido; aprendi a simplesmente aceitar quanto alguém se declara eleitora do Bolsonaro, aprendi a não tentar entender, achar motivos; eu sempre fico tentando a pergunta devido à forte dissonância que vejo. Para minha não surpresa: uma negadora das urnas. Sim, evangélica. Como dizem, o voto evangélico é homogêneo. Uma vez o mesmo pertenceu à Marina Silva, que chegou a 20%, então foi transferido para o Bolsonaro; não entendo a lógica, comparar Marina Silva com Bolsonaro; “facinho de confundir Com João do caminhão”
Nas ciências, temos o que chamamos de método indutivo. O método indutivo, ver meu ebook para saber mais “Introdução à pesquisa científica”, é uma forma de sair de exemplos individuais para generalizar; seria uma forma de elevar nossas conclusões, de deixar os exemplos e fazer previsões. Fazemos isso o tempo todo, mas fazemos de forma problemática em alguns cenários. Se digo que minha amiga tem um cachorro, e o cachorro dela tem 4 patas; uma outra também tem um cachorro, também com quatro patas; logo, usando indução, posso concluir que todos os cachorros possuem 4 patas. Sim, ficamos susceptíveis para no futuro aparecer um cachorro de 3 patas, e outro de 2 patas; mas esses eventos são improváveis dado nossas observações, mas pode sim ocorrer.
No caso da nossa conversa, a pessoa afirmava não ter conseguido votar no seu candidato, isso significa que as urnas não são confiáveis; seria, se entendi bem, uma prova de fraudes. Eu também não consegui votar na deputada estadual que mais queria, não aparecia na urna; fiquei muito irritado na hora, pensei “essas urnas não são confiáveis”. O mesário me instruiu a fazer um relatório, eles têm um protocolo para isso. Chegando em casa, decidi primeiro conferir o número novamente, errei um único número. Consegue notar a facilidade de sair acusando as coisas antes de checar cuidadosamente? Externalizar nossos erros em prol de uma causa que nos agrada? O descaso com as possibilidades quando temos nossa própria agenda?
Mesmo que tivesse havido erros, isso não significa que o erro seja sistêmico; que seja um erro em todo o sistema eleitoral. Todo sistema possui erros. Suponha que vai a um médico, e ele era no diagnóstico? Você deixa de confiar em médicos? Acredito que não, pelo menos, normalmente não. Suponha que o aparelho do médico erre nas medidas, isso significa que todos os equipamentos não são confiáveis? Claro que não! O máximo que pode afirmar é que aquele equipamento, ou o modelo, é péssimo. Todo sistema, todo equipamento, possui uma margem de erro, mas isso não significa que não seja confiável; chamamos isso de eficácia. Testes de gravidez erram em uma certa porcentagem (1-5%); a camisinha pode falhar em 3% dos casos; métodos contraceptivos podem chegar a 9%. As pessoas não deixam de usar, porque as urnas seriam diferentes? Por que o Bolsonaro disse? Talvez deveríamos usar o Bolsonaro no combate a AIDS e gravidez precoce! Uma urna falhar para 200 milhões de pessoas é nada! Mesmo que seja o caso. Isso é inevitável em qualquer equipamento, não seria diferente com as urnas. Os erros com o voto impresso eram muito maiores porque envolvia mais equipamentos, como impressoras, que sempre falhavam.
No caso da pessoa, ela generalizou muito rápido, devido a uma agenda já escolhida, já predefinida. Isso se chama tendência de confirmação. Passamos a maximizar pequenos eventos que defendem o que queremos, e minimizamos, até ignoramos, o contrário.
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